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A citação do devedor de alimentos no novo C 31a8
Maria Berenice Dias[1]
Estranhamente, o novo Código de Processo Civil (L 13.105/2015) tenta ressuscitar a Lei de Alimentos (L 5.478/1968), ao expressamente excluir a ação de alimentos das ações de família (C 693 parágrafo único). Toma para si, tão somente a cobrança e a execução dos alimentos, revogando os artigos 16 a 18 da Lei de Alimentos (C 1.072 V). Olvidou-se, no entanto, de revogar também o artigo 19, que fala em prisão de até 60 dias, uma vez que fixou o prazo de aprisionamento de um a três meses (C 538 § 3º).
Dedica um capítulo ao cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de prestar alimentos (C 528 a 533) e outro para a execução de alimentos (C 911 a 913).
Agora está explicitado: a prisão será cumprida em regime fechado, permanecendo o devedor separado dos presos comuns (C 528 § 4º). Nem se tem como saber o que quer dizer preso “comum”. Talvez porque incomum deveria ser alguém cometer o crime mais hediondo que existe: homicídio qualificado por dolo eventual – assumir o pai o risco de produzir a morte dos próprios filhos. No entanto a lei reconhece apenas a prática do delitocomo abandono material (C 532), cuja pena é de detenção, de um a quatro anos e multa de 10 salários mínimos ( 244).
Tanto os alimentos frutos de sentença condenatória como os alimentos provisórios estabelecidos em decisão interlocutória sujeitam-se a mais de uma modalidade de cobrança. Também os alimentos estabelecidos consensualmente em título executivo extrajudicial podem ser buscados: mediante a ameaça de coação pessoal (C 528 § 3º e 911 parágrafo único); por desconto em folha de pagamento (C 529 e 912); ou via expropriação (C 528 § 8º, 530 e 913).
A eleição da modalidade de cobrança depende tanto da sede em que os alimentos estão estabelecidos (título judicial ou extrajudicial), como do período que está sendo cobrado (se superior ou inferior a três meses).
A cobrança dos alimentos, via coação pessoal, compreende o máximo de três prestações alimentares já vencidas. O devedor só se livra da prisão, se pagar as parcelas cobradas e mais as que se vencerem durante o curso do processo (C 528 § 7º). Incorporou a lei o enunciado da Súmula 309 do STJ: O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo.
Havendo parcelas antigas e atuais (vencidas a mais de três meses), não conseguiu o legislador encontrar uma saída. Continua sendo indispensável que o credor desencadeie duplo procedimento, o que só onera as partes e afoga a justiça. Com relação às três últimas parcelas, pode usar a via da prisão. Quanto às mais antigas, é necessário fazer uso da via expropriatória. Ambos os processos correm em paralelo. Mesmo que o devedor cumpra a pena e não pague os alimentos, a execução prossegue pelo rito da expropriação (C 530). Impositivo que, neste caso, as execuções sejam apensadas e prossigam em um único processo, pela integralidade do débito.
Pela nova sistemática, os alimentos acordados consensualmente em título executivo extrajudicial são cobrados mediante a propositura de uma execução judicial (C 911).
Estabelecidos por sentença ou decisão judicial, os alimentos são cobrados via cumprimento de sentença. Quando se trata de sentença definitiva ou acordo judicial, a busca pelo adimplemento é promovida nos mesmos autos (C 531 § 2º). A cobrança dos alimentos provisórios e dos fixados em sentença sujeita a recurso se processa em autos apartados (C 531 § 1º).
Em qualquer das formas de cobrança (cumprimento de sentença ou execução de título extrajudicial), ou o seu rito (expropriação ou prisão), o devedor precisa ser cientificado pessoalmente. É intimado quando se tratar de cumprimento de sentença e citado na execução de título extrajudicial.
A expressão “pessoalmente” constante do artigo 828 do C não significa que a intimação deve ser levada a efeito por oficial de justiça. Pode ser feita pelo correio. Basta que a carta AR seja na modalidade de "mão própria", o que garante a "pessoalidade" da intimação.A expressão intimação pessoal não significa que o ato terá que ser por oficial de justiça. A intimação se diz pessoal porquanto se opõe àquela que é feita na pessoa do advogado no cumprimento de sentença (C 513 § 2º). Contudo, pode se realizar pelo correio (C 274) ou por meio eletrônico (C 270), desde que dirigida, naturalmente ao citando.[2] É o que também afirma Araken de Assis: são pessoais tanto a intimação por meio eletrônico (C 270) como a postal (C 273 II).[3]
A alteração é das mais significativas e para lá de salutar. Traduz sensível aceleração para a cobrança de alimentos.
Não tem correspondência na lei atual (C 247), a exceção prevista na lei anterior, que excluía a possibilidade de citação postal nos processos de execução (C/73 222 d).
Exige-se tão só que, feita pelo correio, o devedor pessoalmente firme o AR. Trata-se assim de intimação pessoal. Aliás, quando representado pela Defensoria Pública a intimação é feita pessoalmente com aviso de recebimento (C 513 § 2º II).
A ênfase também salienta que a intimação não pode ser feita na pessoa do advogado, mediante publicação no Diário da Justiça, como é autorizado nas demais hipóteses de cumprimento da sentença (C 513 § 2º I).
São consabidas as manobras do devedor para se esquivar do oficial de justiça. Claro que o executado pode se evadir do carteiro, evitando receber a carta AR, seja pela dissimulação da própria identidade, seja pela recusa pura e simples. Nesse caso, como os carteiros não dispõem da fé pública de que gozam os oficiais de justiça, deve o exequente requerer a intimação por mandado (C 249).
Buscado o cumprimento da sentença ou de decisão interlocutória, se o devedor não pagar e nem justificar o inadimplemento, cabe ao juiz, de ofício, determinar o protesto do procedimento judicial (C 528 § 1º). Desnecessário o trânsito em julgado da decisão para tal providência (C 517 e 519). Quando se trata de título executivo extrajudicial, injustificadamente, a medida não tem previsão expressa. Inclusive a remissão é feita aos §§ 2º a 7º do art. 528 (C 911 parágrafo único). No entanto, nada, absolutamente nada impede que o juiz tome igual providência em se tratando de débito alimentar, devendo a medida ser tomada de ofício. Segundo Luiz Fernando Valladão Nogueira, a previsão expressa do protesto é direcionada para todas as hipóteses de cumprimento de sentença, eis que prevista genericamente no art. 517 do C. É óbvio que, seja por força de lei específica de regência (L 9.492/97), seja pela aplicação subsidiária do cumprimento da sentença, à execução por título extrajudicial (C 771 parágrafo único), este também é protestável.[4]
Em qualquer hipótese de cobrança, o credor pode obter certidão comprobatória da dívida alimentar para averbar no registro de imóveis, no registro de veículos ou no registro de outros bens sujeitos a penhora, arresto ou indisponibilidade (C 828).
Quando o credor estiver sob o abrigo do benefício da assistência judiciária, os emolumentos a notários e registradores não são devidos (C 98 IX), o que alcança o protesto da execução de alimentos.
Também é possível ser a dívida inscrita nos serviços de proteção ao crédito, como SPC e SERASA (C 782 § 3º).
Flagrada conduta procrastinatória do executado, havendo indícios da prática do crime de abandono material ( 244), cabe ao juiz dar ciência ao Ministério Público (C 532).
De todas as novidades trazidas pelo codificador, no intuito de acelerar a cobrança dos alimentos, talvez o mais eficaz seja itir a citação postal. Uma mudança que – infelizmente – ainda não vem sendo implementada pela justiça.
[1] Advogada especializada em Direito das Famílias e Sucessões
Vice-Presidenta Nacional do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família
www.mbdiibdfam-br.diariodoriogrande.com.br
[2]NOGUEIRA, Luiz Fernando Valladão. A execução de alimentos no novo Código de Processo Civil. Revista IBDFAM: Famílias e Sucessões. Belo Horizonte: IBDFAM, 2015, v. 7. jan./fev. p. 21.
[3] ASSIS, Araken de. Processo Civil Brasileiro. Vol. 3. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 1.601.
[4]NOGUEIRA, Luiz Fernando Valladão. A execução de alimentos no novo Código de Processo Civil. Revista IBDFAM: Famílias e Sucessões. Belo Horizonte: IBDFAM, 2015, v. 7. jan./fev. p. 11-22.
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