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A perpetuação do calvário para a cobrança dos alimentos no C 4e6v2s
A obrigação alimentar decorrente das relações familiares pode ser assumida espontaneamente – aliás, como deveria ser sempre – e formalizada, em juízo ou extrajudicialmente.
Cônjuges e companheiros podem convencionar alimentos a favor de qualquer deles e dos filhos – ainda que incapazes –. em documento particular. Para garantir sua exigibilidade em juízo, dito documento precisa transformar-se em título executivo extrajudicial: ser assinado pelas partes e por duas testemunhas (C 784 III); ou ser referendado pelo Ministério Público, Defensoria Pública, Advocacia Pública, advogados dos transatores ou por conciliador ou mediador credenciado por um tribunal (C 784 IV).
Para ensejar a cobrança judicial dos alimentos assim fixados, o credor pode buscar a execução fazendo uso do rito da coação pessoal (C 911 parágrafo único) ou via execução por quantia certa (C 824). A circunstância de serem beneficiados incapazes não compromete nem a validade do documento e nem a exigibilidade da dívida.
A busca da homologação judicial é dispensável, face a similitude das vias executórias disponíveis aos títulos judiciais e extrajudiciais.
O divórcio consensual pode ser levado a efeito por escritura pública (C 733). No mesmo instrumento é possível a previsão de alimentos a favor de um dos cônjuges e dos filhos maiores e capazes. Havendo filhos menores de idade, incapazes ou nascituro, necessariamente, o divórcio depende de homologação judicial (C 731). A exigência é absurda, porque os alimentos em prol dos descendentes incapazes podem já estarem estabelecidos. Ainda assim é imposta a forma pública para a formalização do divórcio.
Os alimentos ali previstos são títulos executivos judiciais (C 515), a ensejar a cobrança via cumprimento de sentença, que autoriza a ameaça de coação pessoal e a expropriação de bens (C 528).
Quando se trata de união estável, mesmo existindo filhos incapazes sua dissolução não precisa ser formalizada e muito menos levada à homologação judicial (C 732) ou referendo oficioso (C 784 IV). O encargo alimentar a favor dos filhos é que precisa ser formalizado, para garantir eventual cobrança.
Seja qual for a forma de constituição do encargo alimentar - judicial ou extrajudicial -, havendo mora, o adimplemento pode ser exigido por qualquer dos meios executórios (C 528 e 911): prisão do devedor ou expropriação de seus bens. Tudo vai depender da quantidade de parcelas vencidas e não pagas. O débito acumulado superior a três prestações não comporta execução pelo rito da coação pessoal (C 528 § 7º).
Quando o encargo alimentar dispõe da chancela judicial, o inadimplemento enseja a incidência de multa moratória de 10% e verba honorária em igual percentual (C 523 § 1º). O marco inicial de incidência destes acréscimos é a data da intimação do devedor, na pessoa do seu advogado ou pessoalmente, pela via postal, com Aviso de Recebimento – AR (C 513 § 2º I e II).
De modo para lá de injustificável, em sede de execução de título executivo extrajudicial que estabelece encargo alimentar, a lei remete à execução por quantia certa (C 913 e 824), em que não há previsão de multa, somente de honorários advocatícios de 10% (C 827). E, caso haja o pagamento no prazo de três dias, o valor dos honorários é reduzido pela metade (C 827 § 1º). Ora, a redução dos honorários é um desestímulo para que as partes – ou seus advogados – formalizem o divórcio, a dissolução da união estável ou estabeleçam obrigação alimentar extrajudicialmente. Com isso perde-se a chance de aliviar o Poder Judiciário. Tudo acaba na justiça.
No cumprimento de título executivo judicial o réu ou o procurador que o representa (C 513 § 2º I) é intimado, para, no prazo de 15 dias, pagar o montante atualizado do débito acrescido de multa de 10% e verba honorária de 10% (C 523 § 1º).
Buscada a cobrança pela via da coação pessoal, o réu deve ser citado pessoalmente, via postal, para em três dias pagar o crédito executado, provar que já pagou ou justificar a impossibilidade de pagar. Não ocorrendo o pagamento ou não aceita a justificativa apresentada, é expedido mandado de prisão. Durante o período de aprisionamento, prossegue a execução expropriatória, com a penhora e avaliação dos bens indicados pelo credor (C 530 e 829 § 2º). A dívida é acrescida do valor da multa e dos honorários, sobre as parcelas executadas e todas as que se vencerem até a data do pagamento (C 528 § 5º).
Para livrar-se dos encargos moratórios, o devedor deve depositar judicialmente o quantum cobrado (C 520 § 4º e 523 § 1º), enquanto questiona o valor da dívida, por meio de justificativa, impugnação ou embargos à execução. Como se trata de dívida alimentar, o credor pode proceder ao levantamento dos valores incontroversos.
Quer os alimentos tenham sido fixados liminarmente, quer na sentença final ainda sujeita a recurso, pretendendo o credor buscar sua cobrança “desde logo”, precisa abrir mão da possibilidade de prisão do executado (C 528 § 8º). Ainda que o título não seja líquido certo e exigível, a execução segue o rito do cumprimento definitivo (C 523).
Como a interposição de eventual recurso não dispõe de efeito suspensivo (C 1.012 II), o cumprimento da sentença pode ser buscado tão logo ocorra sua publicação (C 1.012 § 2ª). Caso o valor do encargo venha a ser diminuído ou afastado – quer na sentença, quer em sede recursal -, é de todo descabido livrar o devedor da obrigação de proceder ao pagamento das parcelas que se venceram nesse ínterim. Emprestar efeito retroativo à redução ou à exoneração levada a efeito, pelo fato de os alimentos não serem definitivos, só estimularia o inadimplemento e a eternização da demanda.
Buscada a cobrança pela via da coação pessoal, para o devedor livrar-se da prisão deve pagar o valor atualizado da dívida objeto da execução e as demais parcelas vencidas até a data do pagamento (C 528 § 7º). O tema encontra-se inclusive sumulado (Súmula 309 do STJ).
No entanto, na prática mais do que consolidada, o devedor livra-se da prisão mediante o pagamento das parcelas alimentares que constam no demonstrativo discriminado e atualizado apresentado pelo credor (C 524). Porém, quando do cumprimento da ordem de prisão, já se venceram novas prestações e o demonstrativo do crédito, que acompanha o mandado de prisão, está desatualizado.
Acaba o credor por apresentar novo demonstrativo, requerendo novamente a prisão do devedor. Antes o juiz dá vistas ao devedor do novo cálculo e, eventualmente, manda o processo para o contabilista do juízo (C 524 § 2º).
E se neste interim transcorreram mais de três meses, o credor acaba optando por ingressar com nova execução. E mais uma, e mais uma a cada três meses.
O fato estarrecedor é que existe um número de prestações que integram a condenação, não são pagas, e o devedor não é preso!
De nada adianta a lei dizer que, para livrar-se da prisão o devedor precisa pagar não só a dívida objeto da cobrança, mas também todas as prestações que se vencerem até a data do efetivo pagamento (C 528 § 7º). O réu livra-se da prisão apresentando ao oficial de justiça comprovante de pagamento das três parcelas que se venceram antes da propositura da execução, conforme demonstrativo do débito apresentado pelo credor. Esta “garantia” do devedor não tem previsão legal. Trata-se de construção jurisprudencial viciosa, que precisa ser revertida em benefício do credor. Além do valor constante do mandado de prisão, referente aos meses executados, o devedor precisa apresentar ao oficial de justiça o comprovante do pagamento das prestações objeto da cobrança e mais das que se venceram até aquele momento. Sem esta prova, o pagamento é parcial e não afasta a prisão.
Quem sabe outra solução seria já constar no demonstrativo do crédito uma projeção das prestações vincendas. Caso o credor não apresentar o valor discriminados das parcelas alimentares futuras, cabe ao juiz determinar a sua retificação. Claro que os índices de atualização são variáveis, mas, ao menos o valor do principal, até o dia do pagamento será atendido.
Deste modo, o réu é citado para pagar o valor devido à data do pagamento, conforme a projeção constante no demonstrativo que acompanha o mandado de citação.
Ou isso, ou vai se perpetuar o calvário para a cobrança da obrigação de maior significado que existe: a que garante o direito à vida!
Maria Berenice Dias
Advogada
Vice Presidente Nacional do IBDFAM
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